O Deus das Moscas – William Golding

o deus das moscas

CONTÉM SPOILERS

O Deus das Moscas é considerado um dos mais importantes livros do Século XX e consta quase sempre nas “listas de livros obrigatórios”. Mas o que tem de especial este livro? Sabia mais ou menos de que tratava este livro  mas nunca o tinha lido. decidi tirar a prova dos 9.

Se inicialmente a narrativa me pareceu um pouco infantil, rapidamente o misto de sensações e contradições foi aumentando. Uma história com duplo sentido?

Definitivamente uma alegoria! ao que de mais tenebroso e obscuro tem o comportamento humano. Após um desastre de avião Um grupo de crianças vê-se sozinho numa ilha deserta, o salvamento teima em não chegar e o tempo vai passando. os jovens são obrigados a desenrascar-se sozinhos e sem adultos. É a luta pela sobrevivência, que não deixa de ser igual em todas as espécies. Os mais fracos acabam por ser derrotados pelos mais fortes. É a ordem natural das coisas.

Não encontrei muitas referências ao longo da história sobre o que realmente aconteceu no acidente que levou aquele grupo de crianças Britânicas a ficarem sozinhas naquela ilha, encontramos alguns pormenores sobre o assunto do qual podemos retirar algumas conclusões, mas após ter lido o livro, fiquei em estado de sobressalto (como a maioria dos leitores de quem fui lendo opiniões posteriores).

Após uma curta pesquisa, descobri que o acidente de avião terá acontecido no período da segunda grande guerra, um grupo de crianças que provavelmente estariam a ser deslocadas para fora do cenário de guerra, caem numa ilha deserta, após o avião onde seguiam ter sido atingido, apenas as crianças sobrevivem e ficam por sua conta e risco.

Encontramos inicialmente Ralph e Piggy e vamos lentamente conhecendo os outros membros do grupo. Piggy ao que o nome indica é aquele a quem todos gozam, gorducho e caixa de óculos; é o no entanto o mais racional e esperto de todos. Ralph é desde cedo apresentado como o líder e o único que verdadeiramente deseja e acredita que podem ser salvos ao mesmo tempo tenta manter o grupo unido. nesta altura estas duas crianças descobrem “O Búzio” um objecto de união, mas ao mesmo tempo de discórdia.

Entretanto aparece Jack, que lidera um outro grupo de miúdos, inicialmente Jack parece um cordeiro, mas as suas acções rapidamente nos levam a acreditar que se trata de um lobo disfarçado.

Nestas crianças o comportamento é exactamente aquilo que se espera; um comportamento de crianças, que longe de adultos, aproveitam para poder fazer todas aquelas coisas que lhes estão vedadas no mundo real. No entanto a essência do ser humano acaba por vir ao de cima. É necessário um líder, imediatamente  sobressaem  duas crianças, as mais velhas claro está.

Ralph, e Jack são os mais destacados elementos do grupo e irão entre si, fazer valer a sua autoridade e espírito de liderança de características tão diferentes. Enquanto Ralph está mais consciente das necessidades do grupo, quase sempre advertido por Piggy (para mim o grilo falante da história) a verdadeira sensatez do grupo, Jack usa e abusa da sua força e utiliza todos os meios à sua disposição para se afirmar. A eleição do líder até decorre de forma bastante pacífica e algo “democrática” com Ralph a ser eleito o líder do grupo. Imediatamente estabelecem algumas regras,  Jack embora a contra gosto aceita essas regras, mas logo o leitor se apercebe de que ele não tem a mínima ideia de as cumprir, no entanto ficamos apenas com a ideia de que Jack é apenas um fanfarrão. O autor deixa claramente vincadas as personalidades de cada um, embora estejamos perante um grupo de crianças, os desabafos e reacções normais são muitas vezes cópias quase perfeitas do comportamento de um adulto.

Encontramos várias vezes mencionada ” A Ilha de Coral” uma história juvenil de aventuras ( Robert Michael Ballantyne – 1857) aliás este “Deus das Moscas” parece quase uma cópia aperfeiçoada desse livro quando lemos a sinopse, inclusive os dois personagens principais têm o mesmo nome: Jack e Ralph. Mas no livro de Ballantyne encontramos um grupo de rapazes que tentam sobreviver numa ilha deserta, após um naufrágio. (deste período encontramos vários livros juvenis com a mesma temática, lembro-me de repente de um livro que adorava em miúdo: “O Robinson Suiço). No entanto ” O Deus das Moscas” parece quase uma paródia a “A ilha de Coral”, mas ambos mantém o mesmo espírito de que os Ingleses, são os melhores do mundo e conseguem sempre resolver a situação mais complicada.

Em condições selvagens que outra coisa poderia acontecer, senão um grupo de crianças tornar-se também selvagem. E é isso mesmo que acontece. Aos poucos as crianças inocentes, deixam de o ser e passa a valer tudo, quando a sobrevivência está em risco.

Ralph parece ser o líder ideal para todos eles, mais velho e mais responsável, tenta ter uma atitude o mais adulta que lhe é possível. Piggy, é quase como se fosse a voz da consciência a falar, muito medroso, mas ao mesmo tempo prudente, não consegue afirmar-se perante o grupo e tenta todo o custo, fazer-se ouvir e respeitar através do Búzio. Jack o rufia do grupo, vai-se transformando aos poucos num temível ditador, que quer ser obedecido a qualquer custo, tem uma forte necessidade de se afirmar como líder. Por esta altura, o leitor entra num estado de estremecimento quando confrontado com a maldade de Jack e dos seus servos. Por vezes cheguei a ter vontade de entrar no livro e dar uma valente lição aquele rapaz demónio. É de facto um personagem odioso. O grupo vai respeitando as regras até determinada altura, mas estamos a lidar com crianças que quando não são supervisionadas por adultos, esquecem rapidamente as regras e chegam inclusivamente a desafia-las. O problema é que na ausência de adultos, os medos naturais e o cair da noite, trazem consigo inimigos virtuais e assustadores. E um perigoso monstro (interior) que os irá devorar lentamente. A todos.

“O Deus das Moscas” é um livro que causa em nós (adultos) sentimentos vários como a repulsa, medo, ódio, nojo e a pena. Se estivesse-mos nos seus lugares o que faríamos? seríamos assim tão diferentes? Talvez… mas então como se explicam as nossas sensações enquanto espectadores? Todos estes sentimentos se misturam de uma forma inexplicável. É um livro para ler, interiorizar e mais tarde reler. É um livro que mexe com o leitor e causa uma série de sensações estranhas, quase de impotência. serão estes os adjectivos a usar para descrever um grande livro?

PRÉMIO NOBEL DE LITERATURA 1983

Sinopse: Um avião despenha-se numa ilha deserta, e os únicos sobreviventes são um grupo de rapazes. Inicialmente, desfrutando da liberdade total e festejando a ausência de adultos, unem forças, cooperando na procura de alimentos, na construção de abrigos e na manutenção de sinais de fogo. Porém, à medida que o frágil sentido de ordem dos jovens começa a fraquejar, também os seus medos começam a tomar sinistras e primitivas formas. De repente, o mundo dos jogos, dos trabalhos de casa e dos livros de aventuras perde-se no tempo. Agora, os rapazes confrontam-se com uma realidade muito mais urgente – a sobrevivência – e com o aparecimento de um ser terrível que lhes assombra os sonhos.

Publicado por Nuno Chaves

https://nososlivros.wordpress.com/

7 opiniões sobre “O Deus das Moscas – William Golding

  1. Considero este livro um dos melhores que li até hoje. A inocência daqueles diabinhos é um microcosmos do mundo dos adultos. A luta pela sobrevivência e a luta pelo poder são uma e a mesma coisa. Matemo-nos uns aos outros parece ser o lema… na ficção como na realidade.

  2. Li este livro ainda enquanto “jovem leitor”. Adorei e ficou-me gravado na memória. É de uma crueldade assustadora mas relembra-nos que somos animais e traz-nos de volta À realidade primitiva dos instintos de sobrevivência. Tenho alguma curiosidade para reler este livro enquanto “leitor maduro” e saber se me provocará o mesmo impacto.

Deixe um comentário